Todo mundo tem um lugar preferido. No ano em que o Rio de Janeiro completa 450 anos, te desafio a me contar qual é o seu. Afinal, o que não falta nessa cidade são paisagens que ajudam o ser humano a sentir-se maravilhado.

O meu lugar preferido no Rio deixa muita gente ressabiada. Por isso, aí vão as minhas razões.

Flamíneo

Lá vem aquela cara. As sobrancelhas juntas, a testa franzida, os cantos da boca fazendo um arco pra baixo, os lábios se separando. Então a odiosa pergunta:

-E você entra na água?!

Pera aí. Vamos começar do começo.

Minha mãe diz que eu nasci na Ilha do Governador e morei no Méier, mas desde que me entendo por gente, moro no Flamengo. Quando eu tinha quatro meses, ela e meu pai decidiram se mudar. Com três filhas, ficou difícil morar numa casa em que, se entrando pela porta, se caía pela janela.

Assim, em 1985, viemos para a Marquês de Abrantes, 189. Flamengo.

Calma, deixa eu repetir. Fla Men Go. Não é lindo? Uma vez eu pesquisei. Significa algo com a cor da chama, vermelho, flamíneo.

A primeira vez que eu pisei na areia do Flamengo , nem sei. Eu era bem pequena e a praia ainda era cheia de tatuí. Lembra deles? Meu pai me levava com a minha irmã mais velha e a gente passava a manhã inteira brincando de dar cambalhotas submarinas e construindo castelos. Eu adorava o cheiro de plástico novo das boias de braço e o gosto de sal que tinha o beijo do meu pai.

Depois, mais velha, eu e minha irmã gostávamos de andar de bicicleta ou patins no Aterro. De um lado pro outro naquelas pistas enormes, banhadas de saúde, bem-estar e domingo. Às vezes, quando meu pai nos acompanhava, ele apontava pra cima e dizia: Viu? Uma arara! E se perdia no amor pela Natureza.

O mar sempre estava ali, esperando gelado por nossos corpos suados que mergulhavam sem pudor na sua falta de ondas e no seu excesso de carinho e saudade.

Naquela época ninguém fazia cara de nojo pra Praia do Flamengo e nem ela era conhecida, entre os moradores do bairro, como a praia do brejo.

Quando entrei na adolescência, cometi minha única traição. Fui à praia de Ipanema com as amigas da escola. Gostei, não. Além das ondas gigantescas – vá lá, eu estava acostumada com o Flamengo, né… – , era um tal de posto dos gays, posto dos maconheiros, posto dos gringos… Nunca tinha ido a uma praia dividida em guetos.

Aqui no quintal de casa sempre foi tudo misturado. O povo do bairro, o povo do Morro Azul, o povo do subúrbio que vinha de metrô feliz da vida fazer farofada. Era a barraca da Fátima e do Seu Jorge, o pastelzinho do baiano, o mate com limão do Zé. E o picolé de frutas? 2 reais. Não 5, como em Ipanema.

E ao diabo o jornalista que resolveu declarar em matéria falaciosa que a praia do Flamengo é a maior concentração de mulher feia por metro quadrado. (Sim, a matéria existe e, obviamente, o jornalista é míope).

Mais tarde, quando a vida profissional começou a atrapalhar os momentos de ócio, ir à praia do Flamengo virou quase um ritual sagrado. Fim de semana de sol? Praia! Feriado de sol? Praia! Folga inesperada? Praia, claro.

O quadro é sempre o mesmo: de manhãnzinha, o sol nascendo em Niterói e batendo nas curvas sinuosas do Pão de Açúcar. Flamíneo. Taí.

Por isso, não me envergonho de dizer que, sim, frequento a praia do Flamengo há quase 30 anos. E é claro que entro na água.

Fique então com a explicação:

Já criei anticorpos. Sou peixe desse mar que me acompanha a vida inteira. É caso de amor mesmo e quando é que amor faz mal pra saúde?

praiadoflamengo

ju.jpgJuliana Borel é aspirante a escritora e poeta. Pra ganhar dinheiro e pagar as contas é jornalista a maior parte da semana. Pra se inspirar gosta de ouvir Guns, trilhas sonoras e esbarrar por aí em pessoas interessantes. Seu blog procurasepoesia.blogspot.com.br é praticamente seu DNA.

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